O ex-presidente José Sarney foi a surpresa da despedida de Lula em São Bernardo do Campo. Sarney demorou a ser notado em meio ao tumulto provocado pela chegada do petista. Depois de vencer a multidão e subir ao palco, Sarney arriscou-se a dizer algumas palavras para uma plateia de militantes do PT. Queria justificar porquê havia abandonado a cerimônia de posse de Dilma Rousseff antes do final para fazer companhia a Lula em sua travessia (feita em avião, helicóptero e carro) para uma vida de ex-presidente.
Sarney disse ter chegado a São Bernardo do Campo “pelos caminhos da amizade e pelo reconhecimento”. “Nele [Lula] descobri o homem de grande densidade humana, generoso, de patamar internacional. Nunca se viu antes no Brasil um presidente que falasse bem do outro. Mas eu vim aqui falar bem e dizer que ele sai consagrado por tudo o que fez”.
Os militantes do PT reagiram mal à intervenção que retardou alguns minutos mais a já atrasada fala de Lula. Ouviam-se vaias, pedidos esparsos de aposentadoria a Sarney, muxoxos de “Ah, Sarney, não”. Quando tomou o microfone Lula fez questão de mencionar a inesperada companhia: “Eu quero agradecer ao presidente Sarney que, há 4 anos atrás, disse pra mim que ele gostaria de, quando eu terminasse o meu mandato, vir até a porta do meu apartamento me entregar. E ele veio até a porta do meu apartamento. E agora vai voltar para Brasília.”
Sarney parecia extasiado quando deixou o evento. Ao atravessar a multidão em direção ao carro que o levaria de volta ao aeroporto, olhava para as pessoas que o chamavam, mas nada respondia. É provável que esta tenha sido a primeira vez que ele participou de uma festa de consagração de um presidente desde o Plano Cruzado – o pacote econômico lançado por ele enquanto presidente, em 1986, e recebido com grande entusiasmo. Mais tarde o plano naufragaria no combate à inflação e enterraria a popularidade do governo.
A despedida de Lula do poder representou o ápice da relação entre ele e Sarney. De alguma forma, Lula o reabilitava perante a massa, o redimia dos problemas de sua gestão na presidência do Brasil. Lula fez o que Sarney prometeu ao tomar posse e não cumpriu: combateu a inflação, reduziu a pobreza, aumentou o número de empregos. Acompanhar Lula até a porta de seu apartamento confirmava a redenção de Sarney que, habilmente, soube tornar-se importante para o cotidiano das decisões políticas do governo Lula.
O casamento era improvável. Quando ainda era um sindicalista do ABC, Lula foi preso pelo regime militar, construído e mantido pelo então partido de Sarney, a Arena. Sarney representava tudo aquilo que Lula classificava de oligarquia: era o mandatário abastado em um estado paupérrimo e se perpetuava no poder (junto com sua família) eleição após eleição.
No entanto, a disputa eleitoral de 2002 e, sobretudo, o episódio do mensalão, em 2005, mostraram a Lula que é preciso fazer concessões. A incorporação do PMDB à base do governo aproximou Lula e Sarney. Sarney conquistou, com o apoio do governo, a presidência do Senado. Tornou-se fundamental para defender os interesses de Lula na casa. Indicou ministros no governo passado e no atual. Fez com que Lula solapasse as intenções eleitorais do PT maranhense para apoiar sua filha, Roseana Sarney, na empreitada de eleger-se governadora do Maranhão. Voltou a ser uma das grandes forças políticas do país. Estavam dadas as condições para que Sarney levasse Lula até a porta de sua casa em São Bernardo.
Comentário do Coturno: Lula decretou que Sarney não era um brasileiro comum. No último dia, ao trocar todos os petistas pelo carinho do maranhense, isto ficou mais do que comprovado. Cabe à Dilma entender ou não o recado sobre quem manda no Senado. Ela, que participou de tantos sequestros, começa o seu governo duplamente refém: do antecessor e do honorável bandido.
(Foto de Rogério Cassimiro)
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